Uma ofensiva intensa de lobby por parte das empresas de apostas esportivas – popularmente conhecidas como “bets” – está ameaçando derrubar o plano do governo brasileiro de aumentar a arrecadação e cumprir metas fiscais, após o presidente da Câmara recuar no apoio a um acordo que ele mesmo havia ajudado a articular.
Hugo Motta, presidente da Câmara, advertiu de forma abrupta o governo de Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (11), afirmando que ele e líderes do Congresso discutiam medidas para barrar a implementação do plano — uma reviravolta que chegou a enfraquecer momentaneamente a moeda brasileira.
Segundo três autoridades do governo ouvidas sob anonimato, a principal razão para a guinada de Motta foi a resistência da indústria e do Congresso a um aumento do imposto sobre apostas online de 12% para 18%.
As apostas representam apenas uma parte menor do pacote, que também inclui aumento de impostos sobre investimentos financeiros e redução de isenções fiscais para fechar o rombo orçamentário que preocupa investidores na maior economia da América Latina.
O plano pretende arrecadar cerca de R$ 10 bilhões neste ano, sendo que os impostos sobre jogos representariam menos de R$ 300 milhões, segundo estimativas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Mas a resistência ao aumento começou quase imediatamente após Haddad apresentar os planos, em uma reunião no domingo com Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, segundo uma das fontes.
Essa resistência se intensificou nos dias seguintes, liderada por nomes influentes como o senador Ciro Nogueira — ex-chefe da Casa Civil no governo Jair Bolsonaro —, segundo duas fontes.
Aos 35 anos, Motta é um líder inexperiente que assumiu a presidência da Câmara neste ano e, segundo as fontes, não conseguiu resistir à pressão, em parte por ter subestimado sua intensidade.
A assessoria de Motta preferiu não comentar. Ciro Nogueira não respondeu às mensagens enviadas pela reportagem.
O Brasil legalizou as apostas online em 2018, mas só aprovou um marco regulatório e tributário em 2023, como parte do esforço de Haddad para reforçar a arrecadação e o equilíbrio fiscal. O governo inicialmente propôs uma alíquota de 18%, mas o Congresso reduziu para 12%.
Agora, representantes da indústria afirmam ao Congresso que aumentar o imposto comprometeria as margens já apertadas das empresas e dificultaria a concorrência com operadores ilegais e o crime organizado.
“A elevação da alíquota de 12% para 18% fará com que a carga tributária do setor ultrae 50%, o que inviabiliza qualquer atividade econômica legal”, disse a Associação Brasileira de Apostas e Fantasy Sports em nota divulgada nesta semana.
Os setores do agronegócio e imobiliário também se posicionaram contra outras propostas do pacote, que prevê o fim das isenções fiscais para títulos de crédito como LCIs e LCAs, usados para financiar atividades nesses setores. Esses papéis ariam a ser tributados em 5%.
Frustração no Planalto
As novas propostas são uma versão ajustada de um plano anterior que aumentava impostos sobre determinadas transações financeiras e já havia enfrentado resistência de empresários e do Congresso.
Um novo revés aumentaria ainda mais a pressão sobre Haddad, que enfrenta ceticismo crescente por parte do mercado quanto à sua capacidade de eliminar o déficit fiscal primário — que desconsidera os juros da dívida — ainda neste ano.
A mudança de tom de Motta frustrou o governo Lula, mas, segundo duas fontes, o Planalto ainda não perdeu totalmente as esperanças quanto à aprovação das propostas. Não está claro se Motta tem força suficiente no Congresso para barrar as medidas de fato, disseram essas pessoas.
O governo também tenta conquistar apoio no Legislativo, liberando emendas parlamentares — recursos usados para financiar projetos nas bases eleitorais dos congressistas — ainda nesta semana.